carta
Chegaste.
De uma forma subtil.
Foste marcando presença,
levantavas a mão e pouca gente te via.
Tão subtil que não tive tempo.
Foste estando. Uma e outra vez,
Barrei as ilusões, impedi expectativas
E quando dei por isso,
apesar de todas as incertezas
sem grandes avisos, fazíamos parte de algo.
Sem espaço para paixões platónicas
aconteceu tudo, num tempo só nosso
Voltei a acreditar.
Incentivaste-me a fazê-lo.
Fechei os olhos,
tentei não pensar demais,
e permiti-me ir.
Sem te exigir saber qual o destino.
Esqueci todos os medos,
e contra todas as
probabilidades,
confiei
Esqueci o chão e aceitei a cama.
A muito custo, mas acreditei.
E de repente passei a querer,
a querer muito fazer parte desse algo.
Deixei que ocupasses um espaço,
desocupei gavetas, passaram a pertencer-te.
Mas tal como subtil foi a tua chegada,
espaço que exigias ocupar foi crescendo.
Abdiquei do meu, para teu conforto,
em troca da promessa de uma casa maior.
O medo de te deixar entrar,
passou a ser o medo de que quisesses sair.
E sabia que era uma questão de tempo,
até a perspetiva se alterar.
Não existiu um início, um meio e um fim
tudo acabou sem nunca ter começado.
E tentei durante muito tempo
atribuir coerência a algo que existiu
sem nome, sem rótulo e sem corpo
Mas existiu.
Ficaram suspensos planos, objetivos,
faltou muita coisa.
O espaço que te dei, para existires
ocupou o meu e levaste-o contigo,
quando fechaste a porta.
Quis recuperar segundos do que tínhamos
numa realidade que já não era a nossa,
e tu não querias ficar,
mas não me deixavas sair.
Todas as memórias em lugares
onde fomos felizes,
tomaram o lugar de todas as anteriores
e ocupaste o espaço que não era apenas teu.
Esperei durante muito tempo voltar a ver-te,
esperei que me batesses à porta
esperei ouvir a campainha tocar.
Esperei uma mensagem, qualquer sinal teu.
Senti a tua falta.
Senti falta daquilo que nunca aconteceu.
Acreditei que os nossos caminhos
se voltariam a cruzar,
acreditei que apareceste apenas
no momento e na hora errada.
Agarrei-me a essa ideia,
como quem se agarra a uma bóia,
para não se deixar afundar.
Recusava aceitar
que alguém poderia ocupar um lugar,
que tinha sido meu,
e agora me era negado,
sem uma explicação,
coerente.
Escudaste-te na sinceridade,
para permaneceres enquanto
te sentiste confortável.
Asseguraste-me um futuro e alimentaste-o,
para me ires fazendo ficar.
Não te censuro por não ter sido a escolha
censuro por me fazeres sentir
que tinha de pedir licença, para gostar
Querias liberdade.
mas o conforto da relação,
O sexo intenso e apaixonado,
os pés quentes à noite e o abraço,
mas não querias o compromisso.
Querias as mãos dadas, e o beijo em público,
valorizavas o companheirismo.
Mas não o suficiente para um rótulo.
Jogaste com o tempo,
jogaste com tudo a teu favor.
E num impulso,
percebo que tudo o que vivemos,
não vivemos na mesma frequência.
Servi para apanhar cacos,
enquanto me distraías
com histórias de encantar
E eu acreditei. Porque eras tu.
Caiu-me a ficha
de como me tinha sido roubado tempo,
e esse tempo roubado, precisou de um luto.
O teu luto, o luto de uma pessoa
que nunca existiu
e ao mesmo tempo,
o de alguém que permanece vivo.
De uma mentira, de uma ilusão,
de uma separação, e pouco tempo depois,
perceber que tinhas conseguido avançar.
E eu não.
Hoje não te quero. Não te quero mal,
mas não te quero perto de mim.
Procurei as palavras perfeitas para um fim.
Obrigada.
Aceitei. aceitei o erro.
Mas tal como todos os erros,
este também tem consequências.
Que não serão maiores do que as minhas,
por ter cometido outro erro.
Eu permiti.
Permiti colocar-me em segundo plano.
Permiti existir uma vez mais apenas
através do olhar de outra pessoa,
que não o meu.
Permiti que a minha validação,
passasse por alguém que não eu
Permiti que para existir,
tivesses de existir tu primeiro.
E paguei caro por isso.
Continuarei a pagar
com as cicatrizes que ficam.
Desta vez, perdes-me sim.
Não pelo final, mas pelo percurso
A perspetiva alterou-se.
Deixaste que se alterasse,
mesmo que tenhas tido sempre total controlo.
Por tudo isso, hoje, escolho-me a mim
Mas também escolho ir de cabeça,
de pés e de mãos,
quando me apaixonar de novo.
E para isso, mesmo que doa, hoje,
escolho que não seja apenas um até já,
ainda que vá sentir a tua falta para sempre.
Fim.